A Realidade é um Espelho: Vemos o Mundo Como Somos
"Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos."
Essa frase, muitas vezes atribuída a Anaïs Nin, ressoa profundamente com ensinamentos milenares, como os encontrados no Talmude, e com a psicologia analítica de Carl Jung. Seu significado é tão vasto quanto sutil, e toca o âmago da forma como percebemos, julgamos e vivemos a realidade.
Infância: o berço da percepção
Desde os primeiros anos de vida, nossa mente começa a ser moldada. Somos esponjas emocionais e cognitivas, absorvendo não apenas o que nos ensinam, mas como nos ensinam, com que tom de voz, com que expressão no rosto. Os pais, cuidadores, professores e a sociedade em geral não apenas transmitem informações — eles também imprimem crenças, medos, permissões e proibições em nosso campo emocional.
Por exemplo, uma criança criada em um ambiente onde o mundo é apresentado como perigoso e ameaçador, tenderá a ver a realidade como um campo de batalha. Já uma criança incentivada a explorar, questionar e confiar, pode desenvolver uma visão mais aberta e segura da vida.
Essas lentes, formadas na infância, raramente são conscientes — são inconscientes, e por isso mesmo, extremamente poderosas.
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Crenças e filtros: os óculos invisíveis
Carl Jung já dizia:
“Aquilo que não enfrentamos em nós mesmos, encontraremos como destino.”
Ou seja, projetamos no mundo externo tudo aquilo que carregamos internamente — sejam traumas não resolvidos, julgamentos herdados ou imagens idealizadas de como a vida “deveria” ser.
Uma pessoa que carrega uma ferida de rejeição pode interpretar o silêncio de alguém como desinteresse ou desprezo, quando na verdade pode se tratar apenas de introspecção ou timidez. Uma pessoa acostumada a competir pode ver tudo como uma ameaça. Uma pessoa cheia de medo verá perigo em qualquer situação nova.
O mundo não é um campo neutro. Ele se revela como um espelho, refletindo aquilo que mais tentamos esconder ou inconscientemente buscamos validar.
O coletivo e a herança invisível
Além do ambiente familiar, há uma herança coletiva — ideológica, cultural, histórica — que influencia como vemos as coisas. Crescer em uma sociedade patriarcal, capitalista, religiosa, espiritualista, tribal ou científica deixa marcas. Muitas dessas marcas se tornam parte da nossa "voz interior", moldando o que consideramos "certo", "errado", "normal" ou "estranho".
Esses códigos culturais são passados de geração em geração, como heranças invisíveis. Questionar essas programações exige coragem. Abrir-se para novos paradigmas é como aprender a ver com novos olhos, mas antes, é preciso reconhecer que estamos usando óculos escuros.
A abertura para o novo: o início da transformação
A consciência só começa a se expandir quando aceitamos que o que vemos pode não ser o que é, mas o que somos no momento.
Esse despertar começa, geralmente, com desconfortos: uma crise, um conflito, um momento de silêncio profundo onde sentimos que algo está fora do lugar. É quando paramos de querer mudar o mundo, e começamos a nos investigar.
Ao mudar nossas lentes internas — com terapia, estudo, espiritualidade, autoconhecimento —, o mundo muda de cor, de forma, de energia. Aquilo que antes era problema, passa a ser oportunidade. O outro, que era rival, passa a ser espelho. A vida, que era luta, passa a ser jornada.
O Talmude já dizia...
Há uma sabedoria atribuída ao Talmude que diz:
“Não vemos as coisas como elas são. Vemos as coisas como nós somos.”
Esse ensinamento antigo ressoa com inúmeras tradições espirituais e filosóficas. No Vedanta, por exemplo, fala-se da maya, a ilusão da realidade que é vista através do ego. No Budismo, há a noção de que a mente é como uma lente empoeirada que precisa ser limpa pela meditação e consciência. No Estoicismo, ensina-se que os eventos não são bons nem maus — somos nós que os interpretamos assim.
Exemplos da vida real: a mesma cena, diferentes mundos
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Duas pessoas presenciam uma tempestade: uma vê caos, medo, perigo; a outra vê limpeza, renovação, oportunidade para se recolher e refletir.
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Um chefe dá um feedback: um colaborador se sente diminuído, humilhado; outro se sente desafiado e inspirado.
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Uma pessoa é deixada de lado em uma conversa: pode se sentir excluída e rejeitada, ou pode entender que é apenas um momento de pausa e introspecção do grupo.
O que muda? A lente interna.
A consciência: o alquimista da percepção
Conforme amadurecemos e nos abrimos a novas ideias, começamos a dissolver antigas crenças. O que antes era “impossível” passa a ser “uma possibilidade”. O que antes era “verdade absoluta” vira “uma versão”. Percebemos que o mundo não é, ele parece ser, dependendo do observador.
A física quântica já ensina isso: o observador altera o fenômeno observado. A mente humana não é passiva — ela interage com a realidade e a transforma, o tempo todo.
O mundo como reflexo da alma
Ver o mundo como somos não é uma limitação — é uma oportunidade. A realidade nos mostra a todo instante onde precisamos curar, evoluir, amar mais profundamente e nos conhecer.
Mudar a forma como vemos as coisas não significa negar o que está fora, mas transformar o que está dentro. A cada insight, a cada escolha consciente, a cada sombra acolhida, ampliamos nossa capacidade de ver com mais verdade.
E talvez, um dia, vejamos as coisas como elas realmente são: livres de julgamentos, coloridas pela compaixão, iluminadas pela consciência.
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