O Guardião do Fogo Interior – Uma História sobre a Raiva
Era fim de tarde quando Gabriel, um menino de nove anos, voltou da escola com o rosto ruborizado e as mãos fechadas em punhos. Ele entrou em casa batendo a porta com força, como se aquele gesto fosse o único capaz de conter o que queimava por dentro. A mãe, ao ouvi-lo, não correu para repreendê-lo. Em vez disso, se aproximou, ajoelhou-se diante dele e tocou suavemente seus ombros.
— O que aconteceu, meu amor? — perguntou com uma voz que parecia entender mais do que as palavras poderiam explicar.
Ele desviou o olhar, tentando conter as lágrimas.
— Eu gritei com um colega... e bati a porta. Eu... fiquei com tanta raiva... e depois me senti envergonhado. Mamãe... o que é raiva?
A mãe sorriu com ternura, sem apressar a resposta.
— A raiva não é má, Gabriel. Ela é como o fogo: pode destruir, mas também pode aquecer, iluminar e transformar.
O menino franziu a testa.
— Mas eu não gosto quando fico com raiva... parece que viro outra pessoa.
— Você não se torna outra pessoa. Você se torna alguém que não foi ouvido. A raiva é a voz que aparece quando algo ultrapassa os limites do que é justo para você, quando o respeito não foi dado, quando você se sente impotente.
Gabriel mordeu o lábio, pensando.
— Então... é normal sentir raiva?
— Sim, é normal. Ela é como uma bússola que aponta onde você foi ferido ou ignorado. O problema não é senti-la. O problema é não saber o que fazer com ela.
— E por que eu sinto vontade de gritar, quebrar coisas?
— Porque a energia da raiva é intensa e crua. É como uma onda que, se não aprendemos a atravessar, transborda. Mas se ouvimos com atenção, ela pode se transformar em clareza, justiça e ação.
Gabriel hesitou.
— Você também fica com raiva?
— Sim, filho. Mas aprendi a honrá-la. Eu escrevo, danço, coloco em palavras. Quando a raiva é respeitada, ela vira voz. Quando é sufocada, vira prisão.
— Então... eu posso aprender a ouvir a minha raiva sem deixar ela me controlar?
A mãe assentiu.
— Sim. Quando sentir a raiva crescer, coloque a mão na barriga, respire fundo e diga para si mesmo: “Estou com raiva. Ela tem algo para me ensinar.” Escreva, fale, bata o travesseiro se precisar. Mas não sinta vergonha. A sua raiva está aí para te defender, não para te destruir.
Gabriel, com os olhos mais calmos, perguntou:
— Então... ela não é um monstro?
— Não, meu anjo. A raiva é o guardião da sua alma. Um fogo que você pode canalizar. Ela é um “não” sagrado para o que te fere e um “sim” profundo para o que você merece.
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O que é a raiva e por que sentimos
A raiva é uma emoção natural, parte do nosso sistema interno de defesa. Ela surge quando sentimos que algo nos feriu, foi injusto ou ultrapassou nossos limites. Não é um erro sentir raiva — é um sinal de que algo precisa ser olhado com atenção.
O problema não é sentir, mas o que fazemos com ela. Quando não é expressa de forma saudável, a raiva pode se transformar em explosão destrutiva, silêncio sufocante ou até doenças físicas.
Como disse Buda:
“Guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com a intenção de jogá-lo em alguém — é você quem se queima.”
Como transformar a raiva em força benéfica
Podemos transmutar a raiva, transformando-a de um fogo destrutivo para uma energia construtiva. Eis alguns passos:
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Reconhecer – Não negue nem esconda. Diga a si mesmo: “Estou com raiva e quero entender o porquê.”
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Respirar e sentir – Inspire profundamente e perceba no corpo onde a raiva se manifesta.
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Escutar o que ela ensina – Pergunte: “O que me feriu? Qual limite foi ultrapassado?”
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Expressar sem ferir – Fale, escreva, desenhe, movimente-se. Libere a energia sem atacar.
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Agir com consciência – Use a clareza que a raiva traz para mudar o que precisa ser mudado.
A raiva, quando ouvida e respeitada, não é um inimigo. Ela é uma aliada que aponta onde precisamos de cura e mudança. Quando aprendemos a acolhê-la, ela deixa de queimar por dentro e passa a iluminar o caminho.
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